domingo, 23 de setembro de 2012

Artigo - De Volta Para O Vinil


Por Peter Aspden, do Financial Times

Você não compra um álbum - um álbum de verdade - há anos, porque a maioria dos discos parece ser ruim e, além disso, onde está a graça de ficar brigando com um estojo de plástico esquisito ou, pior, de baixar silenciosamente da internet arquivos de dados. O rock e a música popular perderam a alma que começará a falar sobre a beleza dos discos de vinil. Se você estiver particularmente sentimental, poderá começar a descrever os riscos em seus discos favoritos, embora a esta altura possa perder seus interlocutores, especialmente se eles ainda não estiverem recebendo suas aposentadorias e não conseguirem ver qual é a importância de um risco em um disco de vinil.

Mas os riscos são importantes. "Somos todos filhos de John Cage [1912-1992] e sabemos que o silêncio não existe", diz Andrew Renton. Escritor, acadêmico e curador, ele fica tão entusiasmado ao encontrar novos riscos e chiados que acabou se transformando no que é atualmente conhecido como "vinyl junkie", um viciado em vinil. "Dei todos os meus discos há 15 anos e todos os dias me arrependo disso", diz. "Achei que não ia mais precisar deles, e também não tinha mais espaço em casa. Mas com eles perdi uma parte enorme do meu ser. Foi a era digital que fez isso. Passei a última década tentando comprar novamente todos os discos que dei."

O ano de 1977 viu uma série de lançamentos importantes na história da música pop, como "Low", de David Bowie

A era digital: um tempo milagroso para a informação, acessibilidade, o armazenamento e a portabilidade; um tempo ruim para o disco de vinil. A entidade que teve início há 60 anos com o nome Long Playing Record está em crise. Números divulgados pela indústria fonográfica do Reino Unido em julho revelaram que, apesar do tão alardeado crescimento do mercado digital, as vendas de discos no Reino Unido caíram 12,7% no segundo trimestre em comparação ao mesmo período do ano passado. As vendas totais de discos no primeiro semestre deste ano foram de 43,6 milhões de unidades, uma queda de 13,8% sobre os 50,5 milhões de álbuns vendidos no primeiro semestre de 2011. O padrão é parecido no mundo todo.

Estes números desanimadores surgem dois meses após o anúncio de que as vendas do formato digital superaram as vendas físicas pela primeira vez, respondendo por 55,5% das receitas registradas no Reino Unido no primeiro trimestre de 2012. As gravadoras tentaram apresentar isso como uma pequena vitória. Mesmo assim, é fato que estamos comprando menos música. E o álbum - o esteio do setor na era dourada do rock, que começou na década de 1960 e desapareceu em algum momento na virada do milênio - está rapidamente se tornando uma irrelevância musical.

Besteira, afirmam aqueles que se negam a aceitar o declínio, reagindo com uma única palavra: Adele. O segundo álbum da cantora britânica, "21", vem tendo um desempenho surpreendente desde seu lançamento no começo de 2011. Ele lentamente vem ganhando posições na lista dos discos mais vendidos no Reino Unido em todos os tempos e em maio superou "Thriller" (1982), de Michael Jackson, passando a ocupar o quinto posto na lista. "21", um disco influenciado pelo soul americano, está bem acompanhado: os quatro únicos discos que venderam mais cópias no Reino Unido são "Greatest Hits" (1981); do Queen; "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" (1967), dos Beatles, "Gold: Greatest Hits" (1992), do Abba, e "(What's the Story) Morning Glory?" (1995), do Oasis. ("Thriller" continua sendo o disco mais vendido de todos os tempos no mundo, com mais de 100 milhões de cópias.) Mas esta é uma exceção dentro da tendência. É admirável "21" ainda ocupar a primeira posição nas paradas em abril de 2012, mais de um ano após seu lançamento. Menos impressionantes foram suas vendas na semana em questão: apenas 17.000 cópias, o menor número de um topo de parada no Reino Unido desde 1995.

Isso não deveria ser surpresa. No mundo digital, que advoga a brevidade e gera períodos de atenção curtos, não há motivo para uma peça de música de 45 minutos dividida em faixas cuidadosamente ordenadas continuar sendo a unidade de produção mais importante de música popular.

Os álbuns foram criados principalmente para os amantes da música clássica, que a partir daí não precisaram mais interromper suas sinfonias e óperas para trocar uma caixa inteira de discos de 78 rotações por minuto. O novo formato era compacto e atraente, não só pela qualidade do som como também pela embalagem. Os pioneiros do design de capas de discos, como Alex Steinweiss (1917-2011), da Columbia, podiam embelezar as capas de 12 polegadas com ilustrações arrojadas que ocupavam posição de destaque na prática artística.

Mas foi preciso tempo para o álbum ganhar confiança no mundo da música popular. Inicialmente os discos eram tidos como os veículos onde os singles de grande vendagem iam inseridos, como se fossem jukeboxes portáteis. Mas nos anos 1950, os artistas de jazz começaram a atrelar a música de um álbum a conceitos livres. "Songs for Swingin' Lovers!" (1956), de Frank Sinatra, trazia uma capa de concepção suave, anunciando músicas românticas e fáceis. Era para ser ouvido em sua totalidade.

Nas décadas seguintes o disco de vinil estabeleceu sua hegemonia sobre a indústria da música, da extravagância psicodélica de "Pet Sounds" (1966), dos Beach Boys, aos ambiciosos álbuns conceituais: "Tommy" (1969), do The Who; "Thick as a Brick" (1972), do Jethro Tull; e "The Dark Side of the Moon" (1973), do Pink Floyd, o segundo disco mais vendido no mundo. O álbum de rock ganhou peso e pretensão, ainda que nem sempre o apuro técnico da música clássica.

Todos têm, levando em conta o gosto pessoal, seu ano mais pródigo em discos. Na minha opinião, é difícil bater 1977, quando foram lançados sucessos comerciais como "Rumours", do Fleetwood Mac, e a trilha sonora de "Os Embalos de Sábado à Noite". Foi também o ano das estreias atribuladas do The Clash, do Sex Pistols, The Jam e Elvis Costello; o ano das estreias inteligentes dos "art-rockers" americanos do Television ("Marquee Moon") e do Talking Heads ("Talking Heads: 77"); o ano do virtuosismo engenhoso de "Aja", do Steely Dan; e de dois grandes trabalhos de David Bowie, "Low" e "Heroes". É difícil ignorar uma lista dessas. O disco de vinil estava cobrindo todas as bases e vendendo aos montes.

A introdução do CD (compact disc) nos anos 1980 serviu apenas para reforçar a supremacia dos álbuns. Vendidos com a promessa de serem indestrutíveis e apresentar uma qualidade de som superior (adeus riscos e chiados!), eles conquistaram os compradores de discos, levando muitos a refazer todas as suas coleções. Novos gigantes surgiram no mundo da música - Dire Straits, Madonna -, mas o formato triunfante do LP permaneceu intacto.

Isso poderia ter acontecido de novo na revolução digital. Mas não aconteceu.

A velocidade da supervia da informação acabou transformando o jogo. Ela eliminou as faixas longas. Os próprios artistas responderam trabalhando em formatos mais curtos: singles de vídeo veiculados no YouTube e EPs, como "The Fame Monster" (2009), de Lady Gaga. A marcha inexorável do iTunes rumo ao domínio da distribuição de música tornou a necessidade dos álbuns quase obsoleta: a cultura do pegar-e-misturar havia chegado para ficar.

Mas um fenômeno estranho ocorreu enquanto a revolução digital acabava com as normas do setor: as pessoas começaram a pedir suas músicas favoritas em vinil novamente. Sempre houve dissidentes insistindo que a compressão da música digital piorava a qualidade da experiência auditiva. O que estava ocorrendo era diferente também em outro sentido: entre os jovens, os discos de vinil passaram a ser um distintivo de honra retrô. Esqueça seu iPod e os telefones diminutos. Isso é a verdadeira música, para ser tocada em seu formato adequado.

"O problema com a era digital é que é muito mais difícil formar um laço com a música", diz Renton, professor de curadoria do Goldsmiths College de Londres. "Estamos na era do 'shuffle' [embaralhar] e do botão 'next' [próximo]. Perdemos nossa disciplina." Os rituais perdidos de segurar um disco de vinil pelas bordas e colocá-lo no toca-discos, diz ele, forçavam você a ouvir as coisas até o fim. "Isso é muito menos provável agora, quando você pode simplesmente apertar o 'fast-forward'. Eu era muito sistemático a esse respeito. Uma vez que eu colocava um disco para tocar, tinha que ter certeza de que teria 45 minutos para ir até o fim, não importando o que pudesse acontecer."

Renton, que está com 49 anos, diz que o problema da qualidade do som é quase incidental. "Eu nem tenho um toca-discos. Mas estou comprando mais e mais discos de vinil. Vai entender!" Ele diz que na "nova democracia" da era digital, em que a acessibilidade mundial e a distribuição são possíveis pela primeira vez, podemos nos pegar ouvindo muita música e nos apegar a objetos e experiências do passado por insegurança. É a amplitude e o ritmo da paisagem sonora atual que nos desorienta. "Você está no segundo verso de uma música e já está nostálgico com o primeiro. A nostalgia é instantânea." Daí o retorno às virtudes sólidas e de movimentos lentos do vinil.

Mas nem tudo é só nostalgia. Na Walton Street, no elegante distrito londrino de Brompton Cross, os discos de vinil estão dando seus primeiros e improváveis passos no complexo mundo da moda e dos artigos de luxo. Na galeria Vinyl Factory, edições especiais de discos de vinil, com as capas originais e prensagens de alta qualidade, são vendidas para aficionados que abraçam os mundos da música e das artes plásticas com igual fervor.

Uma edição de capa dupla de "Le Voyage Dans La Lune" (2012), dos franceses do Air, custa 30 libras. Mas você pode também comprar uma caixa com quatro discos, um DVD e material impresso por 200 libras. O mais recente álbum do grupo Duran Duran, "All You Need Is Now", está disponível por 250 libras, em uma tiragem de 500 cópias que inclui o disco em vinil transparente (sem informações confusas no selo) e uma caixa que serve de moldura. Você pode tocar o disco ou colocá-lo em uma prateleira.

Sean Bidder, diretor de criação da Vinyl Factory, diz que a demanda por essas edições híbridas é animadora e vem de todas as partes do mundo. "Parece que o fascínio pelo número infinito de escolhas está diminuindo um pouco", diz ele. "Será que realmente há prazer em ter de ficar constantemente atento a tudo? Talvez as pessoas queiram saber mais sobre um número menor de coisas." Ele diz que a demanda "retromaníaca" pelos discos de vinil é análoga ao movimento Slow Food: "As pessoas não precisam comprar coisas que não querem, preferindo se concentrar na qualidade. Se for interessante, estimulante e benfeito, as pessoas vão pagar mais pelo produto". A companhia faz uma prensagem de alta qualidade e usa técnicos em silkscreen conceituados, diz Bidder. "É como um retorno à era da habilidade artesanal."

Os artistas, atentos ao novo modelo de negócios, estão fatiando seus produtos em contratos diferentes para distribuição digital, física e edições especiais. Nos anos triunfantes em que as gravadoras podiam cobrar o que queriam de produtos mal embalados e mal concebidos, das profundezas das pesquisas de mercado surgiu a figura desafortunada do sujeito cinquentão e bem de vida, que não pensava duas vezes antes de entrar em uma grande loja de discos, no caminho para casa depois de alguns drinques num pub, para gastar uma boa soma em CDs que o lembravam de sua paixão da juventude.

Era fácil, conveniente e rápido. Mas a paixão era a única coisa que não podia ser comprada. O milagre da mídia digital tornou a música ainda mais conveniente e a afastou ainda mais dos nossos corações. A nova era do vinil nada mais é que uma reação contra o excesso: a variedade excessiva de escolhas, a velocidade excessiva, a conveniência excessiva. Sabemos, no fundo, que a paixão pela música deve ser mais exigente do que isso. Nos sentamos, colocamos cuidadosamente a agulha sobre o disco e nos submetemos, num êxtase antecipado, ao primeiro chiado do dia. E realmente ouvimos.

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